Os bilhões de Eike e o delírio tupiniquim
Escrito por Laudelino José Sardá, Jornalista e professor
Lembro-me, no final dos anos 70, da euforia de mineradores, prefeitos e empresários com o anúncio da aquisição da gigantesca máquina Marion, que multiplicaria por 20 o trabalho que um pequeno equipamento fazia na extração de carvão nas minas do Sul do Estado. O delírio foi inconfundível, de políticos principalmente, apostando na multiplicação de emprego e na redenção econômica da região. Bastaram cinco anos para muitas pessoas chorarem diante da destruição ambiental provocada pela Marion, que foi embora fazer mais estragos em outro lugar.
Floripa vive hoje essa alucinação. Bastou o bilionário Eike Batista anunciar R$ 2,5 bilhões à construção de um estaleiro em Biguaçu para políticos, empresários – e até jornalistas – abraçarem a causa, tripudiando argumentos científicos de estudiosos.
O renomado cientista em zoologia aquática, doutor Paulo César Simões, foi contratado pela Caruso Jr., que, por sua vez, foi contratada pela OSX para elaborar o estudo de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental (EIA-Rima) do empreendimento. Mas a OSX, empresa de Eike Batista, não divulgou o trabalho do Dr. Simões, simplesmente porque ele recomenda, em um estudo de 18 páginas, que o estaleiro seja construído em outro local onde haja um complexo portuário, fora de baías ou enseadas, para que os efeitos sejam potencializados. Ele foi claro e objetivo ao afirmar que o empreendimento não devesse ser construído em Biguaçu.
Por que não em Imbituba, por exemplo?
Veja o que o cientista observa em suas conclusões:
- Perda de habitat e degradação ambiental: a dragagem gera uma alteração completa de fundo, uma nova topografia que será danosa aos recursos alimentares do boto-cinza, bem como as condições do habitat. Aponta que os impactos serão gravíssimos, permanentes e irreversíveis.
- Perda sócio-econômica e paisagística: a destruição da fauna de fundo, devido a dragagem, afetará todas as comunidades humanas litorâneas do entorno do empreendimento, principalmente a pesca e a vocação turística de Florianópolis e região.
- Poluição química: aumento de riscos de vazamento de óleo combustível devido a circulação de embarcações, que afetará a cadeia alimentar e as praias e populações da costa continental da Baía Norte, nos casos de vento nordeste. O vento sul lançará óleo sobre praias da Daniela e do Forte e sobre a Estação Ecológica de Carijós e APA Anhatomirim. O óleo das atividades industriais do estaleiro será conduzido ao mar, assim como os resíduos industriais, destacando-se o TBT (tributyltin), procedente de tintas anti-incrustrantes aplicadas nos cascos de navios e plataformas. Essa substância atua diretamente na supressão do sistema imunológico.
- Poluição sonora: a implantação da obra, a dragagem e o tráfego de embarcações geram ruídos prejudiciais aos botos, podendo levar ao abandono da área, por atrapalhar a orientação, a comunicação e a busca de alimentos.
- Pressões sobre a APA de Anhatomirim: sofrerá todos os impactos mencionados, no seu ecossistema como um todo.
Li, recentemente, uma desastrosa observação de um internauta salientando que “há gente defendendo os botos enquanto pessoas morrem de fome”. Sem comentário. Essa comparação extrapola todo tipo de raciocínio. Será por que os Estados Unidos e a Europa suspenderam a extração de petróleo em mares profundos, perdendo mais de 300 bilhões de dólares por ano? Teria sido por pressão de ambientalista? Não. Prevaleceu a consciência de que projetos não podem vingar mais facilmente diante dos interesses sociais e planetários.
Floripa parece estar perdida, no desespero, querendo abreviar soluções que já deveriam ter ocorrido ao longo dos últimos 30 anos. Parece que retroagimos aos anos 70, quando a sinalização de um grande investimento derrubava tabus e driblava leis, principalmente as do meio ambiente. De repente, às vésperas de uma eleição, políticos, empresários, entidades de classes gritam, a uma só voz, em defesa do estaleiro de Eike Batista, em Biguaçu. Nunca se viu essa unidade político-eleitoral, nem mesmo depois das inúmeras inundações que mataram centenas de pessoas e tampouco para contrapor à bandalheira de algumas empreiteiras na duplicação da BR-101, no Sul. Nunca que políticos, empresários e a imprensa se uniram em defesa de um projeto turístico para a Ilha.
O estaleiro de Biguaçu é mais uma obra avulsa, daquela que se encaixa em qualquer lugar de uma região sem planejamento, sem sonho e nem perspectiva. Ou será que a Grande Florianópolis já sabe o que quer para 2020? Não. A região está adormecida, vegetando no vazio de idéias e de ações. Os políticos puseram viseira ao se vislumbrarem com os R$ 2,5 bilhões de investimentos do Eike, na esperança de que sejam gerados empregos, riquezas etc. Em países desenvolvidos, os investimentos precisam se compor no ambiente social e econômico. Aqui, pesa o cifrão.
É necessário que paremos de apostar em crescimento acidental. É por isso que a cada final de verão a choradeira é incomensurável, justamente porque Florianópolis, principalmente, continua vivendo do improviso. Ninguém é contra o estaleiro de Eike, mas precisamos dizer ao megaempresário onde que o empreendimento pode ser localizado, para a saúde do meio ambiente e do turismo regional.
Ou será que o morador e veranistas das praias de Jurerê, Canasvieiras, Daniela, de Governador Celso Ramos, Bombas, Bombinhas e de outras passarão a ter uma atração turística? Quem sabe o norte da Ilha terá um motivo para contemplar um belo monumento em sua frente? Será que estaleiro virou atração turística? Deixamos de lado a indústria sem chaminé em nome do Money de Eike!
Imagine, navios trazendo turistas estrangeiros para o Norte da Ilha, tendo o estaleiro do Eike como a grande atração! Reitero que o estaleiro precisa ser viabilizado, mas precisamos pensar na região com um plano estratégico para os próximos 20 anos. Qual a visão de Eike batista da região? Com certeza ele enxerga só o seu empreendimento, mas nós precisamos nos preocupar com a baía, com as praias, com os investimentos turísticos, etc. Ou será que o estaleiro será a redenção de toda a região? Está na hora de fugir à visão tupiniquim e pensar grande, tão grande quanto as potencialidades da Grande Floripa.
Mas, pelo jeito a viseira obliterou o processo decisório. O dinheiro fala mais alto, tanto quanto as esmolas enviadas a milhares de famílias que possam fome no Nordeste. O estaleiro pode até criar 500 empregos, mas isso vai valer a pena para uma região com potencialidades turísticas? O que significará a dragagem da área do estaleiro? O aterro da Baía Sul e o engordamento da praia de Pontas das Canas resultaram nas respostas do mar, que comeu praias, com as de Cachoeira, Casnasvieiras, Cacupé e as do Sul da Ilha. Será que vamos fechar os olhos para os efeitos desastrosos de uma obra que mexerá com todo o ecossistema?
Por favor, a Baía Norte vale mais que R$ 2,5 bilhões e 500 ou mil empregos. Se Eike quer mesmo construir um estaleiro em Santa Catarina há áreas bem mais apropriadas. Imbituba tem tudo o que ele precisa, inclusive um ótimo porto já dragado.
Fonte: Acontecendo Aqui.
LEMBRE-SE: PRESERVAR SEMPRE, PELA VIDA!
muito bom Florinha! ficou bem esclarecedor!beso
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